Do dia para noite, a vida de uma advogada de 42 anos se transformou em pesadelo, depois que ela descobriu que a sua filha, de 11 anos, estava sendo assediada por pedófilos pelo celular. A descoberta foi há cerca de um mês.
A ação começou em grupos que falam sobre cultura coreana no WhatsApp. Inicialmente, os criminosos propõem um jogo de RPG, uma brincadeira em que as crianças idealizam personagens.
Eles usam muito a expressão turnar (interpretar). Depois, vem a segunda parte do plano: um convite entre participantes para conversar em um grupo privado.
A Tribuna – Como descobriu que algo estava errado?
Advogada – A minha filha é apaixonada por grupos de cultura coreana e eu olho o telefone dela toda semana. Vi dois grupos, mas, inicialmente, não vi nada demais. Ela me falou que as pessoas estavam desenvolvendo histórias. Pensei que ela está treinando a escrita.
Um dia, meu esposo viajou e ela dormiu comigo. De madrugada, acordei com o barulho de uma mensagem no celular dela.
O que viu?
Mensagens de cunho sexual muito forte no WhatsApp. Eles interpretavam personagens.
Como eram as mensagens?
Ao longo do dia, eram tranquilas. Por exemplo, um dos personagens, pedófilo, diz que foi ao cinema e conheceu uma menina que se chama fulana. Aí alguém no grupo se habilita para ser essa personagem.
O pedófilo continua a investida, dizendo que pegou na mão, deu flores, foi no mercado, na farmácia, coisas aparentemente normais. Só que, nas madrugadas, ele, de tempo em tempo, fala: ‘agora é hora de apagar as mensagens’.
Em uma das mensagens, diz para a personagem: ‘agora é hora de tirar a calcinha e ela mordia a ponta do cobertor de tanto prazer’.
Tem outras mensagens, que só de pensar fico desesperada em saber que a minha filha, de 11 anos, estava nas mãos de monstros (choro). Inicialmente, o que me chamou a atenção ao pegar o celular foi uma mensagem dela, que dizia: ‘Já apaguei. Medo dos meus pais verem.’
Como descreve o que sentiu naquela madrugada?
Uma culpa imensa (choro). Me perguntava: ‘Como não percebi que a minha filha estava sendo envolvida naquela teia?’
E como agiu?
Não consegui dormir. Fiquei em pânico. A vontade que eu tinha era de brigar com ela, pois a gente sempre dizia para não conversar com estranhos reais e nem virtuais.
Na hora, eu tirei o chip do telefone dela e inseri um chip velho, que não funcionou. Falei que ia levar o aparelho para a assistência técnica. Fui trabalhar e mexi no celular.
Ela não deu sinais?
Me pedia para ficar acordada à noite. Eu não deixava, apesar de pensar que o pedido era normal. Nós pedíamos isso aos pais na adolescência para, no outro dia, falarmos com as amiguinhas que ficamos acordadas até a madrugada. Só que essa não era a intenção da minha filha.
E como começou o assédio?
Não sei, porque quase tudo foi apagado. Esse é o meu maior desespero. Sei que começou há dois meses, porque coincidiu com uma viagem ao Chile. Vi fotos dessa viagem postadas no grupo.
Conversou com ela depois?
Dias depois. Falei que a pessoa que estava consertando o telefone tinha descoberto coisas muito erradas no telefone dela. Disse que ela tinha de confiar em mim.
Como ela reagiu?
Pânico total. Ela passou o dia inteiro chorando. Depois, admitiu que estava participando de um grupo, mas que não era nada demais. Só que eu falei que vi um compartilhamento com uma amiga de vídeo com um pedófilo se masturbando.
Como ela está agora?
Está triste, chora muito e está recebendo ajuda psicológica. Temos conversado muito. Tirei o celular dela, até porque ela tem de entender a gravidade dos fatos. A gente não sabe a extensão disso. Vou denunciar o caso à Polícia Federal.
Qual a mensagem que deixa para os pais?
Um pouco antes de eu descobrir isso tudo, coloquei um aplicativo no telefone dela para monitorá-la. Ela disse que sua privacidade estava sendo invadida. Hoje, existe muito discurso de que não se pode fazer isso ou aquilo com um filho. Mas, para salvar a vida da minha filha, eu posso tudo.
Então, a mensagem que deixo para os pais é que prestem atenção nos seus filhos, observem a linguagem, o comportamento, se ficam chateados com uma invasão de privacidade. Eu percebi esses sinais, que acenderam um alerta.
De início, me senti culpada, mas, depois, percebi que a coisa não foi para frente porque eu estava atenta. Então, pais, fiquem atentos para que seus filhos não sejam as próximas vítimas.
Fonte: A Tribuna